quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

BREVE HISTÓRICO DA AYAHUASCA

Ayahuasca é uma bebida de origem indígena, preparada a partir da união de duas espécies vegetais nativa da floresta Amazônica: o cipó (Banisteriopsis caapi) conhecido como Mariri ou Jagube, e a folha (Psichotria viridis) conhecida como Chacrona ou Rainha, que resulta em uma substância com poder de elevar as esferas espirituais do ser humano, uma das formas nas quais os homens penetram no mundo dos espíritos e na profundidade de seu próprio ser.

A origem da ayahuasca remonta a Pré-história, porém não se sabe, precisamente, quando a prática da bebida teve inicio. Segundo dados de estudiosos há evidências arqueológicas através de potes e desenhos que levam a crer que o uso de plantas de poder e contato com o mundo divino tenham ocorrido desde 2.000 a.C.

Embora na América do Sul haja o consumo da ayahuasca por parte de diversas tribos indígenas, foi somente no Brasil, em especial no Estado do Acre, que se desenvolveu o uso religioso por comunidades não indígenas, e a partir destas religiões, o uso ritualístico da bebida vem entrando em contato com diversas culturas e expandindo-se no Brasil e no mundo. No Brasil a ayahuasca ficou denominada religiosamente como Santo Daime ou Vegetal, dando origem a três vertentes de segmentos espirituais conhecidas como: O Império Juramidam, a Barquinha e a União Do Vegetal - UDV.

O precursor da religião doutrinaria do Santo Daime foi Raimundo Irineu Serra, maranhense de São Vicente de Ferre, que chegou ao Acre, em 1912, integrado ao movimento migratório de nordestinos que buscavam ganhar a vida na extração do látex. Trabalhando na floresta amazônica, Irineu fez contato com grupos indígenas brasileiros e peruanos; conheceu a ayahuasca num seringal próximo ao Peru com Antonio Costa, seu conterrâneo, que lhe falou de uns caboclos que bebiam a ayahuasca. Então, juntou-se ao grupo decidido provar da bebida.

Segundo depoimentos históricos, a iniciação de Irineu nos mistérios da ayahuasca deu-se sob orientação da Nossa Senhora da Conceição, agraciando-o com os fundamentos da doutrina, entregando-lhe o ritual dos trabalhos espirituais do Santo Daime e os hinos, que em seu conjunto formaram o hinário do Cruzeiro, concedendo-lhe assim o título de Chefe-Império Juramidam. Esse período de desenvolvimento de Irineu durou de 1935 a 1940. Simbolicamente Juramidam significa Jura é o Pai, Midam é o Filho, nome que as entidades divinas deram ao iniciador da doutrina. O Povo de Juramidam é a irmandade daimista renovada na mensagem do Cristo para os tempos atuais. Mestre Irineu faleceu em 06 de julho de 1971.

A Barquinha fundada, em 1945, por Daniel Pereira de Mattos, é a mais eclética das três vertentes, pois, sua maior influência vem da umbanda, com forte marca do catolicismo, cultura nordestina e amazônica. Daniel nasceu no Maranhão, amigo e conterrâneo de Irineu, chegou ao Acre, em 1940, como segundo Sargento da Marinha. Seu contato com a ayahuasca foi por meio do Mestre Irineu, com quem passou freqüentando os trabalhos espirituais cerca de um ano. Porém, em uma de suas experiências com a ayahuasca recebeu instruções para criar sua própria doutrina. Trabalhou 12 anos na espiritualidade, deixando sua missão fundamentada dentro dos mistérios do céu, terra e mar. Mestre Daniel faleceu em 08 de setembro de 1958.


A União do Vegetal – UDV foi fundada por José Gabriel da Costa, baiano, que migrou para o norte brasileiro, em 1943, para trabalhar nos seringais da região do estado de Rondônia. Ouviu falar da ayahuasca pela primeira vez, em 1959, quando se mudou para a região da Vila Plácido de Castro, próximo a Rio Branco, mas foi no Seringal Guarapari na região da fronteira boliviana com o Acre que José Gabriel bebeu pela primeira vez a ayahuasca, através de amigos seringueiros; denominou a bebida de Vegetal e em 1961 fundou o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, em 1965 consolida seu Centro na cidade de Porto Velho. Em 31 de outubro de 1982 a Sede da UDV é transferida para Brasília – DF, com filiais em vários estados brasileiros. Mestre Gabriel faleceu em 24 de setembro de 1971.


Outros segmentos da ayahuasca surgiram por meio da vertente do Santo Daime, a exemplo do Centro Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra – CEFLURIS, fundado em 1974 por Sebastião Mota de Melo, amazonense da cidade de Eurinepé, localizada as margens do rio Juruá. Padrinho Sebastião, como ficou conhecido, encontrou-se com o Daime por meio do Mestre Irineu, em 1965; através da bebida recebeu a cura de uma doença que o assolava, desde então, passou a seguir os passos do Mestre.

Sebastião Mota foi autorizado por Irineu Serra a fazer o feitio do Santo Daime e realizar trabalhos espirituais em sua residência na Colônia 5.000, depois do falecimento do Mestre afastou-se totalmente do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal - CICLU, fundado por Irineu. O CEFLURIS é o responsável pela difusão do Daime no Brasil e no mundo. Sebastião Mota faleceu em 20 de janeiro de 1990, deixando varias filiais do CEFLURIS espalhada por diversos estados brasileiros e também no estrangeiro.




AYAHUASCA NÃO É DROGA!

Em decorrência do preconceito por parte de setores conservadores da sociedade, em 1985 o governo brasileiro acrescentou a ayahuasca na lista de substâncias controladas pela Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Medicamentos – DIMED. A União do Vegetal se manifestou, em união a outros grupos, solicitando a revisão desse parecer ao Conselho Federal de Entorpecentes do Ministério da Justiça – CONFEN. A pesquisa foi realizada por uma comissão interdisciplinar composta por juristas, psiquiatras, psicólogos, sociólogos e antropólogos, que analisaram o contexto de seu uso nas comunidades usuárias da ayahuasca.

O parecer da pesquisa foi submetido à plenária, em 31 de janeiro de 1986, aprovado por unanimidade a autorização para o uso da ayahuasca em contexto religioso, resultando na Resolução número 06 de 04 de fevereiro de 1986. Portanto, novos problemas surgiram, através de denuncias anônimas que afirmavam o mau uso do chá por parte de alguns segmentos.

A União do Vegetal sugere a Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados à instalação de um novo grupo de estudo que foi formado por representante do governo, Departamento Médico e Cientifico da UDV – DEMEC entre outras Instituições. O resultado desse estudo aponta inofensivo o uso da ayahuasca em contexto religioso; em 02 de junho de 1992, o CONFEN decidiu deliberar definitivamente o uso do chá para fins religiosos.

Apesar dos resultados das pesquisas serem favoráveis, pessoas mal esclarecidas e desinformadas acreditam de maneira errônea que a ayahuasca é droga. Ao contrário, o chá tem o poder de curar diversas enfermidades, inclusive à cura no vício de drogas pesadas. Pesquisadores afirmam que um dos componentes da ayahuasca é o Dimetiltriptamina ou simplesmente DMT. Uma substância que contenha o DMT, para ser enquadrada como droga, dentro das leis científicas atuais, precisa conter ao menos 2 % de DMT. No caso da ayahuasca este percentual é 0,02 %, ou seja, 100 vezes menor que a taxa mínima necessária para que uma substância seja taxada como droga.

FONTE DE PESQUISA: LIMA, Emmanuel Gomes Correia. O Uso Ritual da Ayahuasca: da Floresta Amazônica aos Centros Urbanos. 2004. Monografia (Conclusão do curso de graduação em Geografia) Universidade de Brasília.


CÂMARAS TEMÁTICAS DAS CULTURAS AYAHUASQUEIRAS

As Câmaras Temáticas do Conselho Municipal de Políticas Culturais - CMPC, órgão gestor da cultura de Rio Branco, têm a função de discutir, de forma abrangente, as questões relativas ao segmento a que se dedicam, entre muitas outras finalidades. Disposta na Lei 1.1676, de 20 de dezembro de 2007, que cria o Sistema Municipal de Rio Branco. Nesse contexto a ayahuasca inicia uma nova fase, reconhecida e inserida como segmento da área de Patrimônio Cultural constituindo a Câmara temática das Culturas Ayahuasquerias.

Antonio Alves, jornalista e membro do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – CICLU, presidido por Peregrina Serra, esposa do Mestre, é também conselheiro da Câmara Temática de Culturas Ayuasqueiras, destaca que este momento para o Santo Daime é positivo; já que, houve um momento de exposição negativa estimulado pela mídia, por não compreender o que realmente é o Santo Daime e pelo mal uso de alguns segmentos.

O jornalista tem acompanhado todo o processo de estudo da ayahuasca e esclarece que desde 1996 diferentes comunidades começaram ter contatos mais freqüentes, o que possibilitou alguns diálogos em relação à cultura da ayahuasca como patrimônio cultural imaterial, daí surgiu à proposta de transferir os estudos realizados pelo Ministério da Justiça para o Ministério da Cultura; dessa forma, as entidades representativas vêem fazendo contato para tornar legitimo a ayahuasca como cultura e já está em tramite no Governo Federal, através do IPHAN a proposta de registro da ayahuasca como patrimônio cultural imaterial.

Em relação às câmaras temáticas ele ressalta: “é um reconhecimento por parte do poder publico municipal e ao mesmo tempo uma compreensão de que não é somente uma expressão cultural, mas faz parte de um patrimônio histórico e cultural. A participação das comunidades é imprescindível, pois é uma forma de dialogar com o poder, não só para reivindicar, mas para oferecer idéias. É importante esta participação de maneira efetiva na formação do Plano Municipal de Cultura, buscando registrar as atividades das comunidades, para que fiquem gravados na historia do município, possibilitando também combater o preconceito que ainda é existente da parte daqueles que não conhecem. Então, O Santo Daime está saindo de um noticiário desfavorável e entrando em um dialogo cultural”.

João Guedes, membro do Centro Espírita e Obras de Caridade Príncipe Espadarte, uma das vertentes da Barquinha que é presidido por Francisca Campos do Nascimento, também é conselheiro da Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras. Para ele as reuniões das câmaras temáticas representam a democratização e o acesso aos bens culturais jamais visto no Estado do Acre.

Guedes ressalta: “estamos iniciando um processo e por isso acredito que a participação dos membros, dos diversos segmentos do Santo Daime ainda é tímida, no entanto, esta participação é muito importante. Todos têm o direito de participar efetivamente, para que nossas prioridades venham à tona e a cultura do Santo Daime não fique a margem das discussões culturais e possamos nos fortalecer definitivamente. Este é um momento muito importante para o povo do Daime, pois paralelo a estas discussões surgiu à proposta de tornar nossa cultura como patrimônio imaterial, então, todas estas discussões culturais veio a enriquecer o momento”.

Como conselheiro ele ainda destaca que uma das prioridades que deve ser abordada dentro das reuniões das câmaras temáticas é a questão ambiental; ou seja, seria necessário discutir projetos que favoreçam a manutenção, o melhoramento e preservação das espécies, ensinando técnicas de manejo e mobilizando as comunidades na expansão da folha (chacrona) e do cipó (jagube), pois, daqui a alguns anos a matéria prima que faz a ayahuasca poderá se acabar. Ele esclarece: “não poderemos preservar a cultura ayahuasqueira se não preservarmos a matéria prima”.


Revista Cultural "Outros Mozaicos da Cidade Nascente", publicada pela Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil - FGB, em 28 de dezembro de 2008. Rio Branco - Acre.

CULTURA EM EVIDÊNCIA


A área cultural no município de Rio Branco nunca esteve tão em evidência como nos últimos anos, mas este é um processo que vem se desencadeando há muito tempo. Primeiro é importante ressaltar que a capital acreana é um lugar onde a cultura, em seus diversos setores, sempre foi manifestada, seja através do teatro, música, literatura, artes plásticas entre outras expressões culturais. No entanto, a atenção e o apoio dispensado a esta área, pelos governantes, era o mínimo possível. A cultura não ficava em segundo plano, mas em último.

Há alguns anos os atores culturais vinham reivindicando, como cidadãos culturais, seus direitos perante os governos. Através da união de alguns grupos organizados, em 2005, foi dado o ponta pé inicial para uma longa jornada de discussões, reivindicações e formação de leis que beneficiasse a cultura local; em 2007, como resultado do 1º Fórum Municipal de Cultura, a Câmara Municipal de Rio Branco aprovou a Lei Nº. 1.676, de 20 de novembro de 2007, sancionada pelo prefeito Raimundo Angelim.

No Capitulo I do Sistema Municipal de Cultura – SMC – Art.1º - visa proporcionar efetivas condições para o exercício da cidadania cultural a todos os rio-branquenses, estabelece novos mecanismo de gestão pública das políticas culturais e cria instâncias de efetiva participação de todos os seguimentos sociais atuantes no meio cultural, compreendido em seu sentido mais amplo.

Este Artigo é uma excelência para o SMC, pois através dele desdobra-se o processo de atuação dos vários segmentos culturais, com a participação da sociedade rio-branquense, por meio de câmaras temáticas. Em março de 2008, a Fundação Garibaldi Brasil – FGB iniciou o processo de implantação de novos instrumentos institucionais, como Conselho Municipal de Políticas Culturais – CMPC, Cadastro Cultural do Município de Rio Branco – CCM, Fundo Municipal de Cultural – FMC, Lei Municipal de Patrimônio Cultural, para que posteriormente seja elaborado o Plano Plurianual da Cultura Municipal – PPA, inseridos no Artigo 1º do SMC.

Destaco estes fragmentos da lei com o intuito de tornar este artigo mais esclarecedor quanto ao processo que iniciei através de reuniões das câmaras temáticas, das quais sou cadastrada como conselheira nos segmentos de Arte: na área de literatura, e Patrimônio Cultural: nas áreas de jornalismo e culturas ayhuasqueiras. Entendo que estamos engatinhando dentro deste processo, até mesmo pelo fato de que a questão cultural ainda é obscura em meio a nossa sociedade; ou seja, geralmente entende de cultura quem é da área, e mesmo aqueles que desenvolvem algum tipo de cultura não têm o esclarecimento apropriado para uma atuação mais efetiva.

Observo a participação da sociedade bastante tímida e creio que isto seja uma questão de educação, falta de informação e conhecimento. Para melhor atuação de todos estão sendo realizadas as reuniões das câmaras temáticas, com a finalidade de uma maior interação dentro do processo cultural e reivindicações de prioridades; e entre outubro a novembro de 2008 foram realizadas cinco oficinas culturais nas áreas de gestão, comunicação, economia, patrimônio, e, direito e cidadania, visando o conhecimento necessário na elaboração do nosso Plano Municipal de Cultura, que deverá ser formado por nós, os cidadãos culturais.

Porém, a participação dos atores culturais ainda deixou a desejar, assim como a interação nas câmaras temáticas. Observo pouco interesse dos cidadãos, mesmo de alguns que fazem arte e trabalham com a cultura local. O que dizer deste fato? Digo eu: se não nos inteirarmos, nossas reivindicações poderão ficar de fora; isso é apenas o começo de um longo processo evolutivo, creio que a participação de todos é imprescindível. À cultura está em evidência, é hora de participar, pois a luta por nossas conquistas já começou!


Revista Cultural "Outros Mozaicos da Cidade Nascente", publicada pela Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil - FGB, em 28 de dezembro de 2008. Rio Branco - Acre.